domingo, 6 de dezembro de 2015

Reflexão - Plumas e Palavras

Gostaria de contar uma história que aconteceu quando eu ainda morava em Canguçu.  Eu estava em casa preparando uma atividade para desenvolver na escola dominical da Congregação Concórdia. Nesta atividade falaríamos sobre a Arca de Noé. E uma das práticas seria colar penas sobre um desenho grande, uma pomba desenhada sobre uma cartolina. Bem, estava tudo preparado para a atividade, mas faltavam as tais penas. Então, lembrei que tínhamos alguns travesseiros com penas de pato e disse para minha esposa: vou abrir um travesseiro e tirar algumas penas. Ela não gostou da ideia e respondeu: não faça isso! Perguntei: Por que? Respondeu: por causa das plumas. Plumas?! Sim plumas, elas são leves como o ar e quando você abrir o travesseiro elas sairão e você não conseguirá controlá-las. Eu, teimoso como todo bom pomerano, resolvi não seguir o conselho. Quando ela não estava em casa abri o travesseiro, assim, devagarzinho. Quando percebi que as tais plumas começaram a sair, como minha esposa havia dito que aconteceria, mais do que ligeiro apertei o travesseiro para segurá-las e... as plumas! Ah! As tais plumas! Até hoje alguma deve estar flutuando por lá. 
Mas você deve estar se perguntando por que estou falando de plumas. Falo de plumas porque quero falar de palavras. Assim como as plumas são as palavras. As palavras também são leves como o ar. Flutuam, não conseguimos controlá-las, estão por aí o tempo todo. Ditas, escritas. Das mais diversas formas, pessoalmente, virtualmente.  E um exercício que faço, por vezes, é parar para escutar as palavras que “flutuam”. Não aquelas preparadas previamente, mas aquelas ditas sem muitas preocupações pelas pessoas que me cercam em meu dia a dia. Tente você fazer isto. É bem legal! Você verá quantos planos para o futuro. Quantas viagens a serem realizadas. Quantos carros, quantas casas a serem compradas. Não que as pessoas não as tenham, mas é preciso melhorar!  Afinal de contas, é preciso melhorar em tudo, sempre![1] Você ouvirá também muitos lamentos. Lamentos pelo que passou. Perdas de emprego, bens, saúde, namorado, namorada, amigos. Enfim. Mas o que ouvimos pouco é a respeito do presente, aqui, agora[2].   Por horas parece até que este tempo nem existe como afirma um escritor francês chamado Ferry:
Imaginamos que seríamos muito mais felizes se tivéssemos isso ou aquilo, sapatos novos ou um computador turbinado, uma outra casa, outras férias, outros amigos... Mas de tanto lamentar o passado ou ter esperança no futuro, acabamos por perder a única vida que vale ser vivida, a que depende do aqui e do agora, e que não sabemos amar como ela certamente merece[3].

Contudo as palavras expressam ainda outro aspecto. Este bastante sério e preocupante. Elas expressam, muito frequentemente, um grande vazio, uma angústia com a qual é difícil de conviver, uma angústia que leva muitas pessoas a se sentirem infelizes, e que buscam socorro principalmente nos medicamentos e em algo transcendente.
Mas, por favor, me permitam voltar às plumas e às palavras. Quero agora falar de uma palavra em especial. Costuma ser escrita com a inicial maiúscula. A Palavra[4]. Esta também “flutua”, nunca sabemos aonde ela irá “pousar” (Jo 3.8). Esta Palavra é aquela pela qual acreditamos que tudo tenha sido criado (Jo 1.3). Todo o universo, não importa o quão grande ele seja. Tudo aquilo que conhecemos. Também a vida em sua essência, não importa o quão micro ela se manifeste. Esta Palavra esteve presente em forma humana em Jesus Cristo que morreu e ressuscitou nos mostrando assim que ela é poderosa a ponto de vencer a própria morte. Esta Palavra pode preencher o vazio[5] sentido pelas pessoas. Onde ela pousa dá consolo em relação ao passado, dá sentido para o futuro e dá alegria no presente. 
Assim como plumas somos nós também. Estamos presentes, visíveis e no instante seguinte não somos mais vistos. Logo somos levados embora. Porém sabemos para aonde vamos. Guiados pela Palavra vamos de volta para a nossa verdadeira terra natal. A terra da qual somos frutos. A terra celestial.



[1] CERTEAU, Michel afirma que somos induzidos à ilusão. Levados a buscar sempre o novo e logo a seguir o renovo sem tempo para apreciar aquilo que de fato temos. [1] CERTEAU, Michel; A Cultura no Plural; 7º ed; Campinas; São Paulo; 2012.
[2]HANNAH, Arenth, afirma que o ser humano vive entre a angustia e os planos para o futuro, esquecendo-se do presente.  HANNAH Arendth; Entre o passado e futuro; Perspectiva S.A.;  6° ed; São Paulo;
[3] FERRY, Luc. Capítulo 1: O que é a filosofia? In: Aprender a Viver – Filosofia para os Novos Tempos. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 2006.
[4] “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”; Jo 1:1 ARA.
[5] Lipovetky afirma que vivemos em uma era vazia, sob o individualismo, em uma busca constante e sem fim. LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio; Ensaio sobre o Individualismo Contemporâneo; Barueri; São Paulo; 2005.

Daison Mülling Neutzling
Teologando do Seminário Concórdia e da ULBRA

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